O que Cristo diz sobre a apatia da igreja?

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Por Pedro Franco


As cartas dirigidas as sete igrejas da Ásia (Ap 2.1 – 3.22) contém ensinamentos valiosíssimos para a igreja brasileira, sobretudo no atual momento. Acredito ser possível estudar especificamente as cartas à Laodicéia, Éfeso e Esmirna e aplicar o conteúdo central da mensagem numa análise dos três tipos de “crentes” que temos hoje, a saber: o crente insensível ao pecado; o crente “cult”; e o crente fiel e verdadeiro. O meu objetivo neste primeiro texto é olhar para a carta à igreja de Laodicéia (Ap 3.14-22) e fazer um paralelo com o crente insensível ao pecado que povoa em abundância nossas igrejas.

Contexto histórico

Em seu livro “Ouça o que o Espírito diz às igrejas” [1] o Rev. Hernandes Dias Lopes comenta que Laodicéia era uma cidade importante por ficar no meio de importantes rotas comerciais da época. Segundo ele, era ainda uma cidade rica e soberba. Um exemplo em especial nos ajuda a ter dimensão de sua riqueza. Em 61 d.C. ela foi devastada por um terremoto, mas foi inteiramente reconstruída pela população, sem a ajuda do imperador. Imagine, por exemplo, que uma cidade seja inteiramente destruída por um terremoto como o que recentemente afetou o Nepal e consiga se reerguer sem nenhuma ajuda do governo nacional ou de agentes internacionais; somente por sua riqueza. Seria um feito considerável, não? Aliás, isso nos ajuda a compreender uma característica do povo da cidade. Era uma nação que se orgulhava demais de sua própria capacidade e riqueza. 

Além disso, o Rev. Hernandes nos conta que lá se produzia uma espécie de lã especial que era mundialmente famosa e dois unguentos para ouvidos e olhos que eram quase milagrosos e contribuíam para Laodicéia ser vista como um centro médico importante. Em suma, a cidade era muito importante e famosa cuja população era bastante rica e capaz.

Todavia, a grande frustração da cidade eram suas águas. Laodicéia ficava entre Colossos e Hierápolis. Colossos possuía águas frias e Hierápolis, águas quentes. Ambas eram terapêuticas, mas as águas mornas de Laodicéia eram intragáveis. 

Análise bíblica

Ao anjo da igreja em Laodicéia escreve: Estas são as palavras do Amém, a testemunha fiel e verdadeira, o soberano da criação de Deus. Conheço as suas obras, sei que você não é frio nem quente. Melhor seria que você fosse frio ou quente! Assim, porque você é morno, nem frio nem quente, estou a ponto de vomitá-lo da minha boca. Você diz: Estou rico, adquiri riquezas e não preciso de nada. Não reconhece, porém, que é miserável, digno de compaixão, pobre, cego e que está nu. Dou-lhe este aconselho: Compre de mim ouro refinado no fogo e você se tornará rico; compre roupas brancas e vista-se para cobrir a sua vergonhosa nudez; e compre colírio para ungir os seus olhos e poder enxergar. Repreendo e disciplino aqueles que eu amo. Por isso, seja diligente e arrependa-se. Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele, e ele comigo. Ao vencedor darei o direito de sentar-se comigo em meu trono, assim como eu também venci e sentei-me com meu Pai em seu trono. Aquele que tem ouvidos ouça o que o Espírito diz às igrejas.” Apocalipse 3:14-22 (NVI).

Tendo entendido o contexto histórico podemos fazer agora uma análise bíblica mais assertiva. Inicialmente Cristo se apresenta e demonstra que Ele está presente na comunhão dos crentes ao afirmar que conhece as obras da igreja. Como profundo conhecedor o diagnóstico que Cristo faz é preciso e tenebroso. Fazendo menção às águas terapêuticas ele diz à igreja que ela era tão insossa e inútil quanto as águas de sua cidade. A água fria de Colossos servia para  trazer refrigério ao cansado e a quente de Hierápolis, para trazer cura ao doente. Todavia, as águas mornas de Laodicéia não serviam para nada – assim como a própria igreja. 

Então, Cristo faz a crítica de maneira bem direta. A igreja achava que tudo estava bem, que ela tinha tudo de que necessitava, que era rica e abastada. Mas Ele afirma que ela estava cega e, por conta disso, não conseguia enxergar a própria condição. Paulo descreve essa cegueira espiritual em 1Co 2.14 ao dizer que quem não tem o Espírito não consegue discernir as coisas espirituais, pois elas “lhes são loucura” e em 2Co 4.3-4 ao dizer que o pecado cega o entendimento dos incrédulos para que eles não possam ver “a luz do evangelho da glória de Cristo”. É como o perverso citado nos provérbios que caminha orgulhoso para um abismo “sem se dar conta” de que está em um caminho de morte (Pv 9.16-18; 10. 14,16, 23-25). No caso de Laodicéia não era diferente. A igreja estava muito mal. Pela severidade da crítica de Cristo, enxergo um cenário onde não havia diferença entre a moral da igreja e dos demais cidadãos da cidade e onde não havia preocupação pessoal em combater pecados. Pelo contrário, a igreja estava completamente insensível a eles, achando que tudo caminhava muito bem.

Na minha limitada imaginação, penso que tal igreja era somente um local onde todos se reuniam eventualmente. Era um clube social como muitos que temos hoje. Os crentes conversavam sobre seus negócios, a pregação da palavra era insossa – talvez focada somente na ação social como vemos com frequência na Europa – e não havia nenhum tipo de incômodo com o pecado ou nenhum tipo de sofrimento por conta dele. O Rev. Paul Washer em seu livro “O chamado ao evangelho e a verdadeira conversão” diz que “a vida cristã é uma luta titânica do novo homem contra a carne, o mundo e o diabo, mas é justamente essa nossa luta contra o pecado, nosso quebrantamento em meio ao fracasso, e nosso esforço por continuar apesar de nosso desvio, que provam que Deus opera em nós". Não havia nada disso na igreja de Laodicéia e, não por acaso, Cristo não relata nenhum tipo de perseguição à essa igreja. Ela era completamente igual ao mundo, plenamente acomodada com a situação ao seu redor. Por que uma igreja assim haveria de sofrer perseguição?

Olhe para as igrejas brasileiras e veja quantas estão exatamente assim! Olhe para a sociedade brasileira e veja o estado em que nos encontramos! Caminhamos a passos largos para o mundanismo, abraçamos abertamente o relativismo moral, a cada dia aparece uma nova “bizarrice gospel”, cantamos músicas que não falam de Deus, fazemos orações que dão ordens a Deus e tratamos Cristo como um curandeiro espiritual ou um gênio da lâmpada, que só existe para nos curar ou fazer “prosperar” materialmente. Ainda, o pior nisso tudo é que a larga maioria da igreja, ao invés de se posicionar contra esses absurdos e travar o debate público, ou se mostra a favor dessas pautas ou se mostra covarde e incapaz de protestar – o que em termos práticos “dá no mesmo”. É urgente que acordemos para a realidade, despertemos em nossos corações uma sede verdadeira pelo evangelho e passemos a viver como cristãos que dependem única e exclusivamente de Cristo.

Caminhando para o final do texto, vemos que Cristo traz exatamente essa palavra aos crentes de Laodicéia. Ele diz que a verdadeira riqueza está Nele, as vestes mais belas se encontram Nele e o melhor remédio para a cegueira espiritual está Nele. Ainda hoje o conselho de Cristo segue o mesmo: busquem a minha presença e eu os responderei! 

Aplicação e Conclusão

Agora que compreendemos a mensagem de Cristo, precisamos entender o “como”. Como podemos busca-lo mais ao ponto de ter uma vida de total dependência Dele? Como podemos ter uma vida cristã tal que impacte a nossa família, nossa igreja, nosso bairro e nosso país? 

Respondendo à primeira pergunta, entendo que o caminho é fazer o mais simples e óbvio, i.e., dedicar pelo menos 30 min. do seu dia para devocional diária, pautada em oração e estudo bíblico. E, por estudo bíblico, me refiro a ler, entender e escrever um resumo do que absorveu do texto. Por mais que você não consiga ler mais de meio capítulo por dia, se esforce para compreender o que está lendo. Procure o contexto, pois isso o ajudará a entender melhor a mensagem e no final ore novamente agradecendo a Deus pelo ensino, pedindo que ele fortifique o seu relacionamento com Ele. 

E para a segunda pergunta, acredito que a resposta seja esta: após ter uma vida devocional estabelecida e em crescente desenvolvimento, posicione-se contra as pautas imorais que são levantadas na sociedade e até mesmo dentro da igreja. Os cristãos não podem confundir bondade e mansidão com covardia. Não peço a ninguém que fique “batendo boca” e arrumando confusão na rua ou em redes sociais, mas peço sim que não deixem de se posicionar. Uma boa estratégia é defender o oposto do que o mundanismo defende. Por exemplo, é crescente na sociedade a defesa do sexo livre e do aborto. Como podemos lutar contra isso? Podemos defender o sexo dentro do casamento e o direito inegável à vida. Por mais que não seja travado um embate direto, é importante que disseminemos os valores cristãos na sociedade.

Que a mensagem de Cristo à Laodicéia desperte a igreja brasileira. Que tenhamos mais cristãos genuínos que reconhecem a voz do bom pastor, buscam sinceramente a santificação e são agentes transformadores do meio onde estão inseridos!

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Notas: 
1. Hernandes Dias Lopes. Ouça o que o Espírito diz às igrejas, 2010. Editora Hagnos.
2. Paul Washer. O chamado ao evangelho e a verdadeira conversão, 2014. Editora Fiel.

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Sobre o autor: Pedro Franco, 23 anos, é estudante de farmácia pela UFRJ e diácono na Igreja Presbiteriana Adonai (RJ).

Divulgação: Bereianos
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1 comentários:

ivanea rocha mod

É inegável que vivos tempos difíceis. A falta de coragem é porque nos faltou preparo. É preciso um despertamento da liderança para impulsionar de fato seus liderados. E os liderados que já tenham sido avivados precisam disseminar e contagiar outros, o que acontece é que apenas guardam pra si. Precisamos aproveitar todas as oportunidades, falo isso pra mim mesma, que muitas vezes não vou para um embate. Precisamos pedir sabedoria a Deus para aplicarmos com inteligência a sua palavra, os seus ensinamentos, e estamos sendo, de fato, falhos nessa parte. Que o Senhor Jesus nos abençoe, nos encha e nos direcione. Que você swja sempre este instrumento usado por Deus para nos ensinar e ministrar aos nossoa corações. Quando publicar os outros contextos, avisa.

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