O uso da apologética numa perspectiva reformada

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O presente artigo trata da necessidade de se usar de argumentos apologéticos de uma perspectiva reformada na apresentação da fé cristã. Após cinco séculos do movimento reformacional, percebe-se hoje em dia a necessidade de se partir dos pontos da ortodoxia bíblica para o diálogo com a cultura. A apologética pode servir para que a Igreja continue se reformando e possa reformar sua sociedade.

No ano que marca 500 anos de Reforma Protestante, é salutar a reflexão sobre esse movimento que mudou o curso da história mundial. Considerando que muito já foi escrito sobre esse momento da história, este artigo busca defender a natureza da Reforma como sendo apologética, em defesa da fé cristã esposada na Bíblia, e sua contribuição para a reflexão atual por parte dos cristãos que dialogam com a cultura.

É notável que as Escrituras Sagradas podem alcançar homens e mulheres, e transformar toda uma sociedade. Por isso, nesses tempos, marcados por crises institucionais e eclesiásticas, o resgate do Evangelho e a reflexão sobre o mesmo podem contribuir para a teoria e ação cristã.

A Reforma Protestante foi um movimento de defesa da fé cristã, seus princípios e sua cosmovisão bíblica, de modo a oferecer aos crentes em Cristo um caminho interpretativo reformado e relevante para uma constante busca de se reformar, como cristão individual e como Igreja local, assim como transformar a cultura que esses estão inseridos.

A Reforma Protestante: um movimento apologético

Os séculos anteriores ao XVI foram tempos, minimamente, instáveis. Doenças, a exemplo da Peste Negra, instabilidade política e social, radicais mudanças nas concepções filosóficas, crises de governabilidade pela Europa, e desencontro religioso.

Nessa última esfera, emergiram algumas tentativas de Reforma interna à Igreja Católica: John Hus e John Wycliffe, por exemplo, tornaram-se proponentes de mudanças radicais. Além disso, como explica George (1993, p. 26), “essa sensação de mal-estar, essa expressão de que o tempo estava fora dos eixos, aliada à crescente onda das expectativas religiosas, produziu uma época de excepcional ansiedade”. De modo ilustrativo, as obras de arte da época refletiam o anseio do povo.

Para além disso, havia o movimento escolástico que buscava uma síntese intelectual entre o pensamento aristotélico e o ensino bíblico, o que gerava interpretações mais filosóficas do que escriturísticas. George (1993) ainda aponta a presença de interpretações estritamente místicas da Bíblia, assim como, humanísticas.

Diante desse quadro, o pensamento dos reformadores protestantes tinha uma natureza de uma crítica externa à instituição Católica Romana e às sínteses filosóficas seculares com a Bíblia, ou seja, tais teólogos, entendendo a doutrina das Escrituras à parte da pregação eclesiástica institucionalizada e ouvindo à ansiedade do povo, apontaram incoerências presentes nos discursos dos domínios filosóficos e romano-religioso.

Com isso, a natureza da Reforma Protestante foi apologética. Buscou defender a doutrina das Escrituras a partir de um método crítico-gramatical que interpreta a Bíblia pela Bíblia, pressupondo um ensino todo e coerente. Em sua essência, esse movimento reformacional defendia a verdadeira fé e a tradição escriturística, constituindo-se, segundo George (1993, p. 34), como “uma continuação da busca pela igreja verdadeira que havia começado muito antes que Lutero, Calvino ou os padres de Trento entrassem na lista”.

A importância e a necessidade de uma apologética reformada

Segundo McGrath (2013, p. 13), o termo apologia “se refere a uma ‘defesa’, um arrazoado que prova a inocência de um acusado no tribunal, bem como a demonstração de que uma crença ou argumento é correto”. Nesse sentido, na teologia cristã, a apologética busca apresentar uma explicação razoável e racional para as verdades cristãs.

Nas palavras de McGrath (2013, p. 9), “a apologética tem por objetivo converter crentes em pensadores e pensadores em crentes”. Nesse sentido, o mesmo autor elucida que o exercício apologético abrange: o conhecimento das doutrinas e cosmovisão bíblica, e a transmissão eficaz desse saber.

Com efeito, é importante que o cristão aprenda a defender sua fé para demonstrar a amplitude e a profundidade intelectual, moral, imaginativa e relacional de sua crença para os fiéis de dentro da Igreja, e para os incrédulos de dentro dela e de fora. Ajuda, com isso, como coloca Craig (2012, p. 17), a “criar e manter um ambiente cultural em que o Evangelho possa ser ouvido como uma opção intelectualmente viável”.

Uma salutar observação a ser feita é que “o Evangelho só deve causar dificuldades por sua natureza e conteúdo intrínseco, não pela maneira em que é anunciado” (MCGRATH, 2013, p. 14). Isso quer dizer que a reflexão e exercício apologético deve ser feito de modo respeitoso, paciente, generoso, inteligente e simpático (I Pe 3:15-16), a fim de evidenciar o conteúdo da mensagem cristã, e não a suposta superioridade do cristão que debate.

A maior dificuldade nesse sentido, por vezes, é a correta tomada de um ponto de partida relevante e bíblico. Para tanto, a tradição reformada contribui no estabelecimento de uma reflexão e cosmovisão que busca coordenar uma fiel exegese bíblica em diálogo com a cultura a seu redor, ressaltando pontos positivos e contraditando os negativos.

Nessa esteira, a apologética reformada busca questionar ideias falsas sobre o Evangelho e a realidade, e apontar para a Revelação das Escrituras como uma via razoável e digna de confiança, sempre consciente de que os argumentos não podem converter, mas podem preparar um ambiente para a pregação do Evangelho.

Desse modo, a tradição reformada pode servir como um Organon, conjunto de ferramentas de interpretação e reflexão lógico-filosófica, para que o cristão extraia da Bíblia princípios, regras, aplicações para o debate que se apresente. Ou seja, o resgate de doutrinas bíblicas feito pelos reformadores são o fundamento a ser defendido por meio da argumentação lógico-racional.

A necessidade de uma Reforma permanentemente apologética

A Reforma Protestante do século XVI possui um significado permanente para a Igreja de Cristo. “Ela desafia a igreja a ouvir reverente e obedientemente aquilo que Deus disse de uma vez por todas (Deus dixit) e de uma vez por todas fez em Jesus Cristo” (GEORGE, 1993, p. 307).

Nesse caminho, a Igreja deve sempre estar se reformando, já que, composta por pecadores, nunca ficará perfeita até a volta de Cristo. Essa noção é estritamente apologética, no sentido de estar sempre voltando às Escrituras, defendendo-a e se desprendendo das ideias e práticas que lhe ameaçam constantemente.

Ideologias, filosofias seculares, Estadolatria, engenharia social, esfacelamento da linguagem, relativização dos valores, secularismo, ingerência estatal nos assuntos eclesiásticos, ceticismo, teologias liberais são algumas das principais ameaças contra a Igreja hodierna. Contra tais investidas, os cristãos, a exemplo dos Reformadores, devem refletir e sempre voltar: à Bíblia como a revelação fidedigna de Deus ao homem, aos atributos de Deus e a sua imanência na história, à doutrina da criação do homem e de sua queda, à obra, à morte e à ressurreição de Cristo, ao papel e chamado da Igreja, e à esperança de um novo céu e nova terra.

A Reforma permanente deve ser sempre apologética, defendendo a fé e apresentando-a como mais razoável que as propostas seculares. A dizer, os temas principais e basilares do movimento reformacional devem sempre ser preservados, defendidos, ensinados e pregados na Igreja e fora dela.

A atual crise, em várias esferas sociais, vivenciada nos dias de hoje cristaliza o anseio por novas mudanças. Após 500 anos de Reforma, é preciso que se note a necessidade de se reformar de modo razoável e bíblico, oferecendo respostas aos anseios do povo de Deus que sofre nesse mundo, e a uma sociedade que não tem identidade. “Ecclesia reformata semper reformanda”: “Igreja reformada, sempre se reformando”, e reformando ao seu redor.

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Referências bibliográficas
CRAIG, William Lane. Apologética contemporânea: a veracidade da fé cristã. – 2. Ed. – São Paulo: Vida Nova, 2012.
GEORGE, Timothy. Teologia dos reformadores. São Paulo: Vida Nova, 1993.
MCGRATH, Alister. Apologética pura e simples: como levar os que buscam e os que duvidam a encontrar a fé. São Paulo: Vida Nova, 2013.

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Sobre o autor: Anderson Barbosa Paz é seminarista do Seminário Teológico Betel Brasileiro. Bacharelando em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. Congrega na Igreja Presbiteriana do Bairro dos Estados em João Pessoa-PB. Atua na área de Apologética Cristã, debatendo e ensinando.
Divulgação: Bereianos
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